reflexão#1

2003

A instalação de Raquel Kogan me faz pensar na morada abandonada por Narciso e no rochedo frequentado pela lembrança de Eco. O mundo ainda existe se Deus calcula e reduz as coisas a números sucessivos, condenados à passagem do tempo. De fato, os homens não passam de sombras projetadas na parede, habitadas pelos gritos de Eco sepultada no esquife de Narciso, a que chamamos banalmente espelho.

Não vemos mais grande coisa nele, salvo a ausência de alguém que regressa como eterno retorno da diferença, tão cara a Gilles Deleuze.

E que nos dizem as águas que refletem as ruínas do corpo, as sombras prontas a perecer na poça de sangue do desditoso narciso? Em algum lugar podemos ouvir sua voz sufocada pela identidade absoluta, que nos diz: “O que és, outrora fui; O que sou, serás talvez um dia.”

A artista nos faz crer nessa ilusão distante, na possibilidade de não se fundir no espelho dos números, pois ela própria ainda está por decifrar. A lógica da nossa existência no devir imagem nos obriga a repetir esse vai-e-vem entre a infinita extensão do corpo, que às vezes reflete, conta ou se apavora ao perceber lá longe a imagem possível de si mesmo e lembrar-se do fim precipitado de narciso.

A artista não aceita o retorno eterno do mesmo, pois que a própria essência da imagem, condenada embora à passagem do rio do esquecimento, repousa na esperança incessante do infinito do ainda não. Essa ilusão redentora nos dá a alegria de recolher alguns fragmentos do espelho para não nos pendurarmos desesperadamente nas paredes das ruínas e para evitar o afogamento nas águas de um mundo finito.

Evgen Bavcar - fotógrafo/filósofo - Paris - setembro 2002

Reflexão

ref.: dicionário aurélio- reflexão s.f.: Modificação da direção da propagação de uma onda que incide sobre uma interface que separa dois meios diferentes, e retorna para o meio inicial.

Uma sala totalmente negra, escura. A única luz vem da projeção, em toda a extensão da parede. Uma trilha especial foi desenvolvida para o projeto.

A imagem projetada é uma sequência de números (1,2,3,4,etc…), de ponta a ponta da parede.

A projeção é gerada e gerenciada por um computador acoplado a 2 projetores.

no chão um espelho d'água onde a projeção está refletida.

A obra é interativa, as pessoas acionaram sensores colocados na sala, regulando assim a rapidez dos movimentos da projeção (quanto mais pessoas mais rápido o movimento).

Movimento este, aleatório, de queda e subida dos números. Criando assim um movimento contínuo, mas nunca repetido com o reflexo de posto e seu oposto. Como se os números subissem de um espelho a outro, sucessivamente, já que a imagem que sobe é sempre aquela que estava refletida.

Uma reflexão da reflexão (reflexão - a identidade de entrar em si, de sair de si, da vivência e da distância).

Refletir a imagem, refletir os outros e si mesmo, integrar o olhar externo.

Reflexões.

Raquel Kogan's installation makes me think of the dwelling-place abandoned by narcissus and in the cliff often visited by the echo's memories. The world still exists even if god calculates and reduces things to successive numbers condemned to the time passage. In reality, men are nothing more than shadows projected on the wall, inhabitated by the shrieks of the Echo buried into narcissus’ coffin which we trivially call mirror.

We no longer see much on it, except the absence of someone that comes back as the never ending return of the difference, so like Gilles Deleuze. And what tells us the waters that reflect the ruins of the body, the shadows ready to perish in the blood puddle of the unfortunate narcissus? Somewhere we can hear the voice stifled by the absolute identity, that tells us: "What you are, I was; What I am you may be some day".

The artist makes us believe in the distant illusion, in the possibility of not melting Into the mirror of numbers, since even she has not decipher it yet.

The logic of our existence in the series of transformations of the image oblige us to go over and over on this back and forth between the endless extension of the body, which sometimes reflects, tells or become appalled to perceive over there, so far away, the possible image of itself and remember the abrupt end of narcissus.

The artist does not accept the eternal coming back of the same, because the actual essence of the image, even though doomed to the passage of the forgetfulness river, rests in the unremitting hope of the endless not yet. It is this redeeming illusion that gives us the joy of gathering up some mirror fragments in order to not desperately hang ourselves in the ruin walls and to avoid drowning in the waters of a finite world.

Evgen Bavcar - philosopher / photographer - Paris - 2002 august

Reflection

ref.reflection ­ merriam- webster - alteration of reflexion, from late latin reflexion -, reflexion act of bending back, from latin reflectere.1: an instance of reflecting, especially: the return of light or sound waves from a surface. 2: the production of an image by or as if by a mirror.

A complete black, dark room. The only light comes from the projection on the whole length of the wall. aspecial sound track was developed for the project.

The image projected on the wall is a sequence of number (1,2,3,4,etc…) from one end to another.

The projection is generated and managed by a computer coupled to 2 projectors.

on the floor a water pound where the image is reflected.

The work is interactive ­ the visitors set in motion sensors placed on theroom, adjusting the projection speed (the greater the number of people the faster the movement).

The up and down of the numbers is a random movement. In this way the movement is continuous and never the same with the reflection of post and its opposite. As if the numbers were climbing from one mirror to the other, successively, since the image that goes up is always the reflected one.

A reflection of the reflection (reflection ­ the identity of coming inside oneself, of coming out of oneself, of experience and distance).

To reflect the image, to reflect the others and oneself, to integrate the external eye.

Reflections.